Retalhar investe no reaproveitamento têxtil

O premiado projeto de reciclagem de uniformes que seriam incinerados, e que processou 12 toneladas em dois anos, pretende ir além da sustentabilidade ambiental e ter impacto social.

Ganhador do prêmio Jovem Empreendedor no Copenhagen Fashion Summit, evento de moda sustentável realizado de 9 a 12 de maio, na Dinamarca, Jonas Rosenberg Lessa é um dos idealizadores do projeto Retalhar que faz reaproveitamento têxtil. A empresa transforma resíduos de tecidos de uniformes usados em matéria-prima para outros produtos em vez de deixar que sigam para aterros ou sejam incinerados. Formalizada no final de final de 2014, a Retalhar surgiu da idéia dos dois sócios, Jonas que é gestor ambiental, e do biólogo marinho Lucas Corvacho, de reaproveitar os uniformes descartados por empresas.

Composta por cinco pessoas, a Retalhar tem uma área comercial e faz a gestão do processo de contagem e controle das peças recebidas descaracterizadas. Como toda startup, vive a incerteza de um serviço inédito. “Temos como desafio conscientizar as empresas sobre o problema do descarte de uniformes. Isso inclui uma série de processos que elas precisam contratar e adaptar”, afirma Lessa. Com foco apenas nas roupas de trabalho que devem ser incineradas ou descartadas sem identificação por questões de segurança (risco de assaltos com uniformes), o projeto tem um grande potencial de expansão entre clientes que buscam formas sustentáveis nesse processo.

Hoje a política nacional de resíduos sólidos do país exige a destinação do refugo mas não é clara sobre como fazê-lo de forma adequada ou quais materiais devem ser reciclados ou reutilizados. Para fazer o descarte ou aproveitamento, as empresas devem resolver processos internos para que os produtos estejam prontos, como retirar a logomarca e destinar um espaço físico com essa finalidade. “A solução da maioria das empresas é queimar os uniformes, que, no fim das contas, é mais barato do que mandar para a reciclagem, mas é um desperdício de recursos além da poluição por emissão de gases”, completa Lessa.

A burocracia também não ajuda empresas iniciantes. Como a Retalhar é a única que faz esse tipo de trabalho no país, alguns clientes não conseguem fechar negócio porque têm como regra levantar pelo menos três orçamentos. Do final de 2014 até hoje, a empresa processou 12 toneladas de peças e espera chegar a 20 toneladas até o final do ano. “Temos negociações em andamento de 50 toneladas, mas o processo de fechamento é lento”, aponta.

A Retalhar faz apenas a gestão do procedimento e terceiriza os demais processos. Um parceiro com uma máquina especial desfibra o material que vira matéria prima para diversas aplicações como cobertores populares, brindes, indústria automobilística e construção civil, e emite um relatório sócio ambiental. Subprodutos dos retalhos podem ser doados pelas próprias empresas clientes para iniciativas sociais e revertidas para moradores de rua. O uniforme usado pode ser transformado em brindes como sacola, necessaire e casacos. “Trabalhamos com sete cooperativas de costureiras da periferia de São Paulo e Grande São Paulo e também com mão de obra de ex-presidiários”, diz Lessa. A lavagem também é terceirizada, mas esse processo vai ser internalizado por questões de custo e controle das peças, explica Lessa. Entre os clientes da Retalhar estão empresas como a FedEx, que transforma os resíduos em cobertor popular, a TAM e a Odebrecht.

Segundo Lessa, os sócios querem consolidar a estrutura de custos e recursos humanos e ganhar espaço para expandir. “Hoje recebemos consultas do país inteiro, mas não conseguimos atender fora de São Paulo pois o custo do frete torna o envio das peças antieconômico”. Entre os planos está a abertura de pólos regionais para atender esses pedidos.

EXPERIÊNCIA DO COPENHAGEN FASHION SUMMIT
A Retalhar faz parte da Ashoka, rede de empreendedores sociais, parceira do Instituto C&A, que financiou a participação de Jonas Lessa no Copenhagen Fashion Summit. O evento reuniu experiências socioambientais na área têxtil e moda, principalmente de países da Europa. Durante o Youth Fashion Summit, que fez parte da programação, estudantes e designers discutiram o futuro da moda e da inovação sustentável, seguindo diretrizes propostas pela ONU com uma agenda que abarca até 2020. “Foi interessante participar desse encontro, porque os países de primeiro mundo não têm ideia da exploração da mão de obra em outras geografias”, afirma Lessa.

Em sua opinião, os países europeus supervalorizam o problema ambiental mas esquecem o social. “Contribuí com uma visão mais realista do mercado, discutindo como transformar o mundo pela indústria fashion não apenas transformar a indústria fashion”, pontua. Segundo Lessa, o evento teve participação de grandes marcas como Nike e Patagônia, mas faltou o outro lado desse mercado, que são os fornecedores que ficam em países como China e Índia.

O Retalhar propõe uma reflexão mais ampla sobre a questão ambiental ou de reciclagem colocando-se como um projeto de empreendedorismo social. “Medimos nosso sucesso não só pela questão financeira, mas pelo impacto social e ambiental. A ideia é que a empresa atue no mercado e compartilhe esses valores”, afirma. Para se financiar, a startup está em contato com diversos investidores interessados em projetos com viés social e ambiental.

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