Lavanderias mudam estratégias para enfrentar a seca

Empresas do estado de São Paulo investiram em sistemas de reúso de água, em máquinas e novos processos químicos que reduzem a quantidade de enxágues.

A falta de água no estado de São Paulo não é um problema pontual que será resolvido com as próximas chuvas. É consenso entre os executivos das lavanderias industriais que as empresas terão que definir estratégias de longo prazo para redução de consumo, por meio de mudança nos processos para conviver com a escassez. O reúso da água, uma exigência dos órgãos reguladores, disseminou-se pelo setor, integrando a política das empresas. Outras providências incluem a instalação de máquinas para substituir processos molhados ou reduzir a quantidade de enxágues, como usar laser para marcação ou ozônio. Produtos químicos de nova geração, que exigem menos água ou permitem processos a seco, também foram incorporadas pelas processadoras industriais de jeans.

A lavanderia All Washed, de Joanópolis, no interior de São Paulo, que processa em torno de 90 mil peças por mês, começou a sentir a escassez de forma mais acentuada há quatro meses. De acordo com a diretora, Lair Ventura, a empresa economiza água com máquinas de ozônio usadas em vários processos, diminuindo a necessidade de lavagens para desengomar ou clarear a roupa. “Também ampliamos nossa capacidade de reúso de 80% para 90% da água, além de fazer um trabalho de conscientização dos funcionários para economizar”, afirma.

Segundo um empresário que tem uma lavanderia em São Paulo e não quis se identificar, a falta de chuvas fez com que um dos dois poços usados na empresa que processa 100 mil peças por mês secasse nos últimos seis meses. “Tivemos queda de 40% na produção somando a falta de água e o mercado recessivo”, afirma. Para esse executivo, a solução para o problema é contar com reservatórios maiores e instalar máquinas de ozônio que reduzem o ciclo de lavagens.

A Qualidade Lavanderia, de Santana do Parnaíba (SP), abastece a produção com poço artesiano próprio e sentiu menos o impacto da falta de chuvas. A cidade tem racionado água para os domicílios, deixando de distribuir água, em alguns dias, por mais de 12 horas. “Fomos mudando processos para diminuir o consumo. Uso hoje apenas um quinto do volume processado há três anos”, afirma o diretor, André Duarte. Isso incluiu a adoção de produtos químicos que favorecem menos enxágues. “Não usamos banhos alcalinos, além de diminuir os tingimentos, usando bem menos água que no passado”, afirma. Ele explica que hoje existem tipos de engomagem que não necessitam de tantos produtos químicos, economizando, pelo menos, três enxágues. Atenta à circunstância, segundo Duarte, a empresa está se organizando há cinco anos com a implantação de equipamentos e o desenvolvimento de processos focando no mínimo consumo.

A Emphasis, de Votorantim, no interior de São Paulo, que processa 350 mil peças por mês, tem um programa de reaproveitamento de 60% da água que funciona há quatro anos, e estuda um projeto de captação da água da chuva. “Hoje as lavagens pulam várias etapas e economizam mais água. No nosso caso poços artesianos não são alternativa porque a região não tem água no subsolo”, afirma o diretor Valdir Ghiselini. Outra iniciativa importante, segundo o executivo, é a educação dos funcionários para economizar tanto água quanto energia elétrica.

Na Comask a implantação de um sistema de circuito fechado de reúso permite à lavanderia de Sorocaba (SP) reaproveitar 98% da água. “Só não reusamos 100%, porque 2% da água evapora ao longo do processo”, ressalta o diretor industrial da processadora de jeans, Ocimar Bromatti. De acordo com ele, a empresa processa as peças em até 30 graus, economizando energia elétrica e respeitando o meio ambiente. “Esses processos estão sendo desenvolvidos há seis anos. Estamos sempre em busca de soluções para reduzir o consumo por meio da atualização de máquinas e automação dos processos, cortando o custo da energia”. A empresa processa em média 100 mil peças por mês e, segundo Bromatti, não sentiu queda na produção. “A produção é verticalizada, contando com máquinas de ozônio e laser, diminuindo processos manuais que gastam mais água”, afirma.

Nelson Trindade, sócio diretor da Donacor, também de Santana do Parnaíba, lembra que água é um insumo que está ficando cada vez mais caro. “Por tradição, as lavanderias brasileiras não costumam colocar a água no custo, mas isso vai mudar nos próximos anos”, destaca. Segundo Trindade, o setor está bastante preocupado com a escassez. “Esse é um assunto que merece muita atenção de toda a sociedade, e não só das lavanderias”, afirma.

Para manter-se competitiva, a empresa optou por trabalhar com clientes maiores para manter preços de mercado e investir em processos sustentáveis. “Muitas empresas oferecem preços mais baixos à custa de processos e mão de obra não regularizada”, revela. A Donacor passou a usar mais processos a seco e investiu em ciclos com menor exigência de água. “Um quilo de malha gasta em média 250 litros de água para tingimento. O metro cúbico custa em torno de R$ 9. Com a escassez, já se fala em aumento para R$ 18 a R$ 20, impactando os custos”, diz. Esse aumento terá grande impacto no setor e terá como consequência a entrada de empresas que vão ofertar água no mercado, a exemplo do que ocorreu no setor de energia.

Mesmo lavanderias fora de São Paulo, que não são abastecidas pelo complexo da Cantareira ou do Alto Tietê, estão preocupadas com a escassez da água. Marco Brito, diretor da GB Customização, empresa localizada em Toledo, no Espírito Santo, diz que já tomou ações preventivas. “Compramos máquinas de ozônio que nos permitiram reduzir nosso consumo em 60%”, afirma. A empresa também tem processo de reaproveitamento de 30% da água e o uso de produtos químicos que reduziram os banhos de três para um.

Medições na ponta do lápis
“A primeira recomendação para uma empresa que quer reduzir consumo, qualquer que seja o insumo que usa, é começar fazendo um acompanhamento de todas as etapas do processo de produção por meio de medições de consumo de máquina e energia”, afirma Raymundo Aragão, sócio da Abesco (Associação Brasileira de Serviços de Conservação de Energia). Essas ações, segundo ele, podem ser feitas pelo proprietário da empresa, acompanhando as operações, sem necessidade de troca de máquinas, apenas com ajustes em registros, corrigindo defeitos por meio da calibração de equipamentos, comparando o desempenho de um equipamento com outro, e acompanhando custo financeiro do insumo. A maioria dos executivos preocupa-se com volumes de produção, mas poucos com a medição do consumo de insumos como água e energia.

“Muitas vezes apenas com a regulação do equipamento é possível diminuir 20% do consumo de água e energia elétrica, por exemplo”, afirma. Essas ações podem ser tomadas pelo proprietário, como um “dever de casa”. “É 75% de bom senso e 25% de conhecimento técnico específico para garantir menos água ou energia em uma empresa”, avalia Aragão. Em um outro nível de ação, segundo ele, a empresa pode rever todos os processos, aí sim com a ajuda de uma consultoria, para mudar e renovar a linha de produção com vistas a um menor consumo. Muitas vezes a atualização tecnológica dos equipamentos pode reduzir em até 40% o consumo de energia na indústria.

Para Duarte, da Qualidade, o problema da água ainda vai nos acompanhar por muitos anos. “Nem um dilúvio poderá encher o reservatório da Cantareira novamente”, prevê. O problema, segundo ele, deve incentivar outras unidades consumidoras de água, como os condomínios residenciais, a implantarem processos de reúso e sistemas de coleta de chuva.