Moda para respeitar as diferenças

Jovem estilista e instituto voltado à melhoria da qualidade de vida de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência física estreiam parceria com lançamento de camisetas

Imagine chegar a uma loja qualquer de roupa e precisar que alguém do lugar descreva cada modelo disponível na arara para você. Primeira dificuldade a vencer será contar com a disposição do vendedor ou da vendedora para cumprir a tarefa. Também terá que contar com uma memória excepcional para lembrar de todas as descrições que ouviu. Parece – e é – uma mão-de-obra danada, que todo deficiente visual enfrenta na hora de comprar uma roupa, caso não tenha alguém que enxergue para acompanhá-lo.



Com a roupa no armário, esse consumidor terá novamente que recorrer à memória tátil para conseguir vestir a camiseta que acaba de comprar para ir à balada. Foi essa rotina difícil que a jovem estilista Cristiane Soares, dona da marca Hey!U, conheceu quando entrevistou alunos deficientes visuais que estudam no Senac SP, escola onde fez faculdade de Moda. Ela foi conversar com eles por conta do projeto proposto pelo Instituto Mara Gabrilli, voltado para a melhoria da qualidade de vida de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência física.

O objetivo era criar dois modelos de camiseta, um feminino e outro, masculino. Na sexta-feira, 3 de dezembro,
Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, o instituto lançou os dois modelos, como ponta de lança da linha Sou pela Acessibilidade, a ser composta por roupas fáceis de vestir, confortáveis e que atendam as necessidades de pessoas com corpos que imponham limitações.



O próximo passo, diz Cristiane, é desenvolver uma coleção inteira a ser lançada no próximo ano. “Algumas alterações são simples, como usar velcro no lugar botões ou zíperes”, aponta a estilista. Outras dependem de estudos de design. Roupas para cadeirantes, por exemplo, não podem ter bolsos traseiros porque incomodam. Costuras laterais devem ser evitadas porque da forma como são hoje machucam a pele pelo atrito. O tipo de tecido é um item que pesa bastante na hora da compra. Se for fino demais, a roupa não agüenta o atrito com a cadeira e tem que ser substituída em pouco tempo de uso. Mara Gabrilli, fundadora do instituto e ela mesma cadeirante, diz que a escolha não é fashion, é prática.

“Com essas camisetas, queremos começar a transformar o cenário da moda brasileira. Temos que cuidar da sustentabilidade social e econômica, além da ambiental”, diz Cristiane. Para ela, o acesso à moda para a população com necessidades especiais faz parte desse esforço pela sustentabilidade social, que ela avalia deveria envolver mais estilistas e marcas. Para o lançamento das camisetas, ela trabalhou em dois níveis. As estampas marcam o posicionamento pela causa – o modelo masculino tem uma coluna vertebral aplicada nas costas, enquanto o modelo feminino traz uma sereia sentada num trono.

Cristiane desenvolveu um tag escrito em Braille identificando modelo, cor e tamanho, além de descrever a estampa. Essa etiqueta foi impressa nos equipamentos do Senac. Como o tag precisa ser retirado na hora de usar a peça, a estilista organizou uma identificação resumida aplicada próxima à barra da camiseta na forma de uma estampa feita com strass e com leitura em Braille.

Ela criou a Hey!U Teen em novembro do ano passado, voltada para adolescentes. Recém-formada, esteve entre os sete finalistas da segunda edição do Projeto Ponto Zero, concurso promovido anualmente pela ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção).

fotos: divulgação